sábado, 9 de junho de 2007


Carta enviada à senhora Ministra da Educação



Esta carta foi escrita por uma colega que não conheço, mas não hesitei em publicá-la pois é uma bom retrato do que se passa nas nossas escolas.

Assunto: os critérios do 1º concurso para professor titular e o desperdício de professores
Lisboa, 5 de Junho de 2007

Ensino Francês na Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Lisboa, e sou um dos muitos professores do 10º escalão do nosso país que não somam os 95 pontos para acederem ao 1º concurso para professor titular.

Não venho lamentar-me e muito menos pedir um tratamento de excepção, antes apresentar um exemplo que ajude V. Exª a meditar sobre as injustiças dos critérios que decidiu adoptar para este concurso.

Adianto que pertenço ao grupo de professores que defendem uma avaliação séria da qualidade – e sublinho QUALIDADE - das nossas prestações profissionais e mesmo da existência de duas carreiras que se distingam, mais uma vez, pela qualidade daquilo que cada um de nós sabe fazer e do modo como o faz.

Considerar apenas os últimos sete anos em carreiras com mais de trinta releva de um grande desrespeito pelo trabalho de uma vida; valorizar exageradamente cargos de natureza marcadamente administrativa em detrimento dos cargos verdadeiramente pedagógicos é negar a intenção sobejamente anunciada de conferir mais qualidade e mais sucesso à educação e ao ensino nas nossas escolas; fixar um total de 95 pontos, fasquia agora generosamente descida de um montante inicial quase inatingível, só gera injustiças num enorme grupo de professores que devia aceder a titular sem ter que saltar barreiras.

Dos critérios adoptados, Senhora Ministra, estão à vista consequências que deveriam fazer pensar o Ministério que V. Exª tutela, pois desperdiçam recursos humanos que empobrecem as nossas escolas.

E aqui chego à minha situação pessoal.

Se me permite um pequeno historial, alinho de seguida as minhas actividades dos últimos sete anos:

§ Professora do 8o Grupo B do Quadro da Escola Secundária Passos Manuel - (destacada de 1999-2000 a 2003-2004 na Associação Portuguesa dos Professores de Francês; em exercício de funções de 2004-2005 a 2005-2006)

§ Orientadora de estágio pedagógico de Francês da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, realizado na Escola Secundária Passos Manuel (2005-2006)

§ Presidente da Comissão Executiva da Associação Portuguesa dos Professores de Francês (de 1993 a 2006)

§ Presidente da Federação Nacional das Associações de Professores de Línguas Vivas (de 1995 a 2002)

§ Membro do Conselho Nacional de Educação (de 1997 a 2001)

§ Membro do Conselho Consultivo do Currículo Nacional do Ensino Básico (de 1999 a 2000)

§ Co-autora do Currículo Nacional do Ensino Básico (de 1999 a 2000)

§ Autora-coordenadora dos programas de Francês do Ensino Secundário em vigor (de 1999 a 2000)

§ Formadora certificada pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua nas áreas A34 – Francês e C05 –Didácticas Específicas (Francês), com o registo CCPFC/RFO-06415/98 (de 1998 até à presente data), com dezenas de sessões de formação contínua de professores de Línguas dinamizadas em muitas escolas do país.

§ Directora do Centro de Formação desta Associação Portuguesa dos Professores de Francês (de 1999).

Todavia, poucas destas actividades contam. Algumas, como a autoria de programas, só contariam se fossem simultâneas ao trabalho efectivo na escola, o que prova que mais que a capacidade para fazer programas conta o malabarismo em gerir a multiplicidade de tarefas.

Aquela seriação pode parecer um exercício de imodéstia, mas é essencial para demonstrar que no meu percurso profissional recente houve um trabalho com parceiros muitos diversificados, forçosamente com especialistas nacionais e estrangeiros, que me ajudaram a construir um saber que aperfeiçoou muita significativamente a minha prática lectiva, me permitiu compreender a Escola e a minha profissionalidade de uma forma mais rigorosa e plural e, finalmente, me concedeu o reconhecimento por pares e superiores hierárquicos.

Ao referir o meu caso, não esqueço o de todos aqueles colegas que, tendo tido um percurso diferente, realizaram um trabalho de muita qualidade e vêem igualmente negado o acesso a um patamar que é deles de direito.
Refiro-me aos formadores de professores reconhecidos pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua que, durante anos, dinamizaram inúmeras sessões de formação contínua.

Refiro-me aos professores que publicam a sua reflexão pedagógica e didáctica (e não falo de elaboração manuais escolares, que, pela sua natureza comercial, não deveriam constituir um critério de admissão de professores) que fundamenta algumas das linhas de força de muitas decisões de política educativa.

Refiro-me igualmente aos colegas que não desempenharam cargos por terem tido horários completos, não necessitando de os "preencher" com uma direcção de turma, uma coordenação de disciplina ou outro. Infelizmente, a rotatividade quase obrigatória destes e de outros cargos de gestão intermédia das escolas tem frequentemente desvirtuado a sua vertente educativa e formadora, quase deixando de ser importantes as pessoas que os desempenham.

Onde tem estado, em muitíssimos casos, a preocupação em adequar o perfil do professor ao cargo que vai desempenhar? E nos critérios de acesso a este concurso, onde esteve a preocupação em contemplar as práticas de formação e de avaliação imprescindíveis para futuros avaliadores dos seus colegas?

Senhora Ministra, gostaria que meditasse na orientação que está a dar à vida das nossas escolas e revisse algumas das suas decisões no sentido do estímulo da qualidade e da inovação.

Assim o fez a França ao atribuir-me duas condecorações em reconhecimento do meu trabalho pela causa e pelo ensino do Francês, trabalho que o governo do meu país não valoriza.

Os meus cumprimentos




4 comentários:

hfm disse...

Afastada destas lides por estar, atempadamente, reformada não deixo de pensar que o ensino e os seus vários critérios têm de mudar. Mas mudar com qualidade, com rigor e com uma constante avaliação do processo. Assim, não posso senão subscrever:

"valorizar exageradamente cargos de natureza marcadamente administrativa em detrimento dos cargos verdadeiramente pedagógicos é negar a intenção sobejamente anunciada de conferir mais qualidade e mais sucesso à educação e ao ensino nas nossas escolas;

é por estas e pelo facilitismo e absentismo que chégámos onde chegámos.

Anónimo disse...

chegámos onde chegámos por facilitismos, por absentismo - talvez seja isso, em alguns casos, que não creio maioritários - e também por inércia, por medo. Crescente. Por cansaço. Muito cansaço. Mas - e é minha convicção profunda - porque se está sempre disponível para..., porque em paralelo com rigor profissional há o total, o absoluto investimento afectivo , porque não há espírito carreirista, porque não se é oportunista, porque...e porque... e porque...

Anónimo disse...

No Publico de Domingo dia de Portugal...
«O triunfo de uma certa concepção de professor

10.06.2007

O concurso para professor titular, em fase de candidaturas, é mais uma das novidades que o Ministério da Educação impôs às escolas e ao corpo docente que tutela, num contínuo de mudanças sob as quais começa a pairar a ameaça do célebre dito de Lampedusa. Os requisitos exigidos para se chegar ao patamar de professor titular são selectivos e, pela primeira vez, "não há lugar para todos", princípio contra o qual nada há a obstar. O problema reside na filosofia que regula o próprio concurso e no método de selecção, que reputo de antidemocrático no seu dispositivo normativo.
Desde logo porque o período de tempo em avaliação incide exclusivamente sobre os últimos sete anos de actividade e sem que os avaliados soubessem que haveria avaliação retroactiva. Depois, porque o método de avaliação se baseia na atribuição de pontos em diversos itens, como a assiduidade, a prestação efectiva de funções, as habilitações acrescidas, embora sejam os cargos o que fundamentalmente faz a diferença.
O errado de tudo isto, que sempre a um certo número aproveita, é que um professor que nesse período não tenha faltado um único dia e apenas (e este apenas é sem dúvida uma ironia perversa do destino...) tenha dado aulas, mesmo que já conte trinta ou mais anos de carreira (e consideremos que essa carreira tenha sido reconhecidamente exemplar), esse professor pura e simplesmente não passará a titular. Não se trata de uma mera suposição teórica: haverá muitos casos destes.
Do meu lugar de apreciação, posto que sou professor, é talvez temerário em demasia fazer este juízo de valor, mas não posso deixar de considerar que este concurso é, no essencial, uma afronta aos melhores - ainda que muitos desses melhores até possam passar a titulares.
Será necessário conhecer por dentro o ambiente das escolas públicas para se saber que o trabalho simultaneamente mais duro, mais nobre e, tantas vezes, mais ingrato é, sem dúvida, dar aulas, esse lugar magnífico (ou terrível) em que um adulto é encarregue pela sociedade de passar formalmente um testemunho aos mais novos. (...) Sabendo-se que o problema fulcral das escolas públicas é o da indisciplina, que se eterniza para nos eternizar nos lugares da vergonha quando se conhecem estudos internacionais sobre as diversas literacias, é bom de ver que ter cargos em vez de aulas se torna uma "benesse" sempre discutível, em última análise, nos seus ditames éticos, na medida em que os horários lectivos dos professores têm sido escandalosamente diferentes. O velho lema de sermos todos iguais, mas...
Ora, este concurso veio, sob a aparente intenção de seleccionar os melhores, pôr a cereja no bolo na concepção de escola que vigora entre nós desde o consulado de Roberto Carneiro, segundo a qual as aulas e o saber serão muito menos importantes do que o que está à volta, sendo que o que está à volta é uma espécie de animação socializadora, que aparentemente esbate as diferenças socioculturais dos alunos - embora quase só acabe por agravá-las.
Esta animação socializadora em que a escola pública se tornou foi criando a necessidade de cargos intermédios de chefia e de dinamização, de uma espécie de militância não lectiva, a que foram sendo atribuídas horas retiradas ao horário lectivo dos docentes que voluntariamente os aceitavam. Acresce que, a par desses cargos com redução lectiva, inúmeras actividades não lectivas envolvem muitos docentes nas escolas, essas sim, absolutamente voluntárias. São agora os cargos com redução lectiva, em benefício duplicado, que maioritariamente dão acesso às elevadas pontuações que permitem aceder a professor titular. O professor que se dedicou a ensinar, pelo qual passaram dezenas de turmas e centenas de alunos ao longo dos sete anos em avaliação, esse que fez o trabalho "invisível" de casa, preparando aulas, elaborando e corrigindo milhares de testes, o que se empenhou em actividades não lectivas sem que para isso tivesse reduções, esse professor é claramente desvalorizado na hora de "somar os pontos", quando não verifica que não pode sequer aceder a professor titular.
Em desagravo de suposições que em consciência me não são imputáveis, não quero deixar de dizer que acolhi com agrado algumas medidas tomadas por este ministério, como a implementação das substituições (uma boa prática que há muito se impunha, e parece que só aos sucessivos ministros é que não) e o cerceamento do excessivo poder dos sindicatos (13) ligados à educação, com as suas cortes de destacados (e não de requisitados). (...)
No mundo cheio de ameaças em que vivemos, talvez estejamos a conduzir alegremente os nossos jovens de um passado muito menos que perfeito para um futuro mais que perigoso.
Arnaldo Lopes Marques
(professor do ensino secundário)
Entroncamento »

Anónimo disse...

In Primeiro de Janeiro:

«Tempo de balanço


José Fernando R.Alves Pinto (*)

A avaliação é uma das estratégias mais seguras para a consciencialização da qualidade das práticas desenvolvidas e para a revisão de planos e de procedimentos. Devemos avaliar muitas vezes ao longo de um percurso. Quanto mais avaliarmos e aferirmos os nossos trabalhos e desempenhos, tanto menos hipóteses teremos de os seus resultados nos surpreenderem.
Eu entendo que a Escola deve estar sempre em balanço, deve ser sistematicamente escrutinada pelos responsáveis pela política educativa, pelos diversos agentes que intervêm no processo e pelos muitos outros que continuam a alimentar, com a severidade dos impostos que têm que pagar, uma estrutura ultrapassada e mastodôntica. Por maioria de razão esse balanço deve ser efectuado no final do ano lectivo.
Continua mal o estado da Escola em Portugal. Apesar da propaganda governamental (e não só!) e de todo o espalhafato que a envolve.

1 – A classe docente não vive com entusiasmo a tarefa que tem em mãos. Por dois motivos: pela qualidade da tarefa, que continua a merecer as maiores reservas, e pela forma acintosa como tem vindo a ser afrontada e punida pelas políticas governamentais;
2 – O Ministério da Educação continua à deriva, sem rumo certo, sem dizer aos portugueses para onde quer ir, aonde nos quer levar: agora diz que vai fechar cerca de mil escolas do interior, depois decide recuperar meia dúzia de escolas nas grandes cidades, mais adiante opta por manter estruturas intermédias que apenas dão despesa ao Estado, como são os casos das Coordenações de Área Educativa e dos mini-Ministérios em que se transformaram as Direcções Regionais, logo de seguida escolhe uma solução provisória para o desporto escolar, no entretanto protela a entrada em vigor da educação para a saúde, etc. etc. etc. Questões fundamentais que continuam por resolver ou que estão mal solucionadas: o ensino técnico-profissional, diurno e nocturno; todo o ensino nocturno; a educação pré-escolar; o abandono e o insucesso escolares; o ensino especial; a autonomia das escolas; etc.
3 – Os alunos não encontram na Escola uma instituição exemplar e de referência no que respeita aos valores do trabalho, do rigor, da alegria, do entusiasmo, da descoberta, da honestidade, do respeito, da verdade, da convivência fraterna, de todos esses pequenos pilares de um crescimento saudável.
4 – A Escola perdeu muito do crédito que desfrutava no passado e continua a delapidar a pouca estima que ainda merecia por parte da sociedade. Está triste, parada, não reage, não é locomotiva de desenvolvimento e de longo curso.
5 – Os nossos governantes da Educação estão mais empenhados e absorvidos em apagar os fogos que os seus subalternos ateiam sem critério nem bom-senso, do que em responsabilizá-los pelos actos que praticam, libertando-se para tarefas bem maiores e indiscutivelmente bem mais urgentes.
Daqui a umas semanas, o Ministério virá dizer que se realizaram umas centenas de milhar de provas, que os alunos conseguiram melhores resultados do que no ano passado, que a taxa de abandono escolar baixou 1 a 2%, que os professores apresentaram menos 5% de atestados médicos do que no semestre anterior e que fizemos progressos notórios em toda a linha de intervenção da Educação. Será que alguém que conheça o verdadeiro estado das nossas escolas e do nosso ensino ainda acreditará nisso?
Para quando um olhar prospectivo e de longo prazo sobre a Escola Portuguesa? Hoje, já é tarde.

* Mestre em Estudos Económicos e Sociais »