José Cardoso Pires, 1925-1998
"Janeiro de 1995, quinta-feira. Em roupão e de cigarro apagado nos dedos, sentei-me à mesa do pequeno-almoço onde já estavam a minha mulher com a Sylvie e o António que tinham chegado na véspera a Portugal. Acho que dei os bons-dias e que, embora calmo, trazia uma palidez de cera. Foi numa manhã cinzenta que nunca mais esquecerei, as pessoas a falarem não sei de quê, e eu a correr a sala com o olhar, o chão, as paredes, o enorme plátano por trás da varanda. Parei na chávena de chá e fiquei.
Sinto-me mal, nunca me senti assim, murmurei numa fria tranquilidade.
Silêncio brusco. Eu e a chávena debaixo dos meus olhos. De repente viro-me para a minha mulher: «Como é que te chamas?»
Pausa. «Eu? Edite.» Nova pausa. «E tu?»
«Parece que é Cardoso Pires», respondi então."
in De Profundis, Valsa Lenta