sexta-feira, 13 de abril de 2007

Uma lufada de ar fresco


O ideal universitário

Quando se salta a etapa do ideal universitário tudo o resto, por importante que seja, corre mal. Há qualquer coisa no ideal universitário que o torna difícil de explicar, apesar de ser tão simples. O ideal universitário é as ideias. Ideias sobre como são as coisas, sobre como funcionam, sobre como deveriam funcionar, ideias sobre ideias. Algumas dessas ideias são conhecimento, outra são comentário, outras criatividade, a maior parte delas um pouco disso tudo. Mas é difícil explicar aos alunos, ou até ao resto da sociedade, que dentro daquelas paredes (metafóricas: pode ser cá fora, na esplanada, no trabalho de campo, na visita de estudo) essas ideias devem ter precedência sobre tudo o resto. Se os alunos querem um diploma e os pais pagam por um bom emprego, não é fácil dizer-lhes que por agora a única coisa importante é o que escreveram alguns mortos de há mais de cem anos, ou como se comporta a partícula x, ou que interpretação dar à arte de y. Só depois de ganhar verdadeiro interesse ou paixão por tais coisas chega a altura de se poder começar a tratar de notas, de diplomas e de empregos.

Isto parece idealista, e é. Não poderia deixar de sê-lo, porque a razão de ser da Universidade é precisamente o idealismo, e não falo da doutrina filosófica do mesmo nome mas do projecto e da experiência histórica de haver um lugar inventado pelas ideias e só para as ideias. O resto pode ser importantíssimo. Mas quando se salta a etapa do ideal universitário tudo o resto, por importante que seja, corre mal.

Esta é uma das razões pelas quais o episódio da Universidade Independente nos enche de vergonha alheia. Sabemos que foram defraudadas pessoas que queriam o seu diploma e pessoas que queriam uma carreira académica, que alunos ficaram sem aulas e professores sem salários. Mas se ouvirmos os autores da fraude, como não esperar este resultado? Desde há semanas nos media só os ouvimos falar de andares e piscinas, lutas pelo poder e diamantes, acções e hipotecas. Nunca por uma vez sequer nos disseram para que queriam uma universidade. Que gostariam de fazer com ela. Que diferentes concepções defendia cada facção em confronto, se é que pensavam em tal coisa.

Infelizmente, estão longe de ser caso único. Os sinais de degradação do Ensino Superior Privado no nosso país são claros: as instituições esquecem-se que antes de serem privadas têm de ser universidades. O relaxamento geral em que viveu a UnI não é, ao contrário do que pretendeu o Ministro, coisa recente nem isolada. O que é preciso explicar é como se deixou atingir este ponto, o que não coloca apenas em causa o seu ministério. Por exemplo: como podem ter leccionado tantos jornalistas importantes na UnI sem a imprensa ter investigado aquele ninho de mafiosos? O ideal universitário pode vingar em qualquer ambiente – público, privado, cooperativo, livre, há excelentes universidades para todos os gostos. Mas é um ideal frágil. Tem de ser protegido sem ser asfixiado: pelo estado, pela sociedade, pelas próprias instituições.

Por mero acaso, Portugal tem algumas condições para se sair bem no mercado universitário, à escala global e a longo prazo. Um país pequeno, agradável e seguro com uma língua falada por duzentos milhões, uma universidade das mais antigas do mundo, uma capital com potencial cosmopolita e meia-dúzia de cidades históricas ou com razoável vida cultural, integração à escala europeia e laços em todo o mundo. Neste contexto, as universidades podem ser boas para o desenvolvimento e para a economia. Mas em primeiro lugar, se não quisermos as universidades para aquilo que elas servem, elas não servirão para mais nada.


(Público, 11 de Abril)

Rui Tavares

(roubado daqui)


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